(Sem imagem)
VÉI,
Véi... O que tens nessa caixa?
Não tenho permissão jurídica, moral ou civil
para escrever sobre ninguém. O que tenho é respeito, apesar de ninguém
notar.
Apesar da insistência do meu pai eu não
fui vê o velhinho nesse domingo à noite. Não queria manchar a imagem que tinha
dele no portão gritando pela minha mãe a procura de leite. Lembro que raramente
compro algo em festas, mas sempre que o via assumindo a função de caixa na sua
barraquinha de lanches, ele e aquele baú em suas mãos, ele morto de felicidade
por passar a madrugada trabalhando, eu fazia questão de simular um assalto só
para ver o pulo que esse velhinho dava. Sempre perguntava: "VÉÉÉII, VÉÉI... O que tens nessa caixa?" Ele me respondia: "T-R-O-C-O!" E antes de ir embora eu sempre comprava
algo e pagava também. Ah... O pagamento era a melhor parte, sempre ficava
tentando atrapalhar suas contas, mas ele sempre me passava o troco certo.
Lembro muito bem de sua primeira esposa.
Ela faleceu quando eu tinha cinco anos. Lembro-me do que senti quando
conversei com ela enquanto ela lutava contra um câncer. Tentei ignorar a sua
aparência pálida a fim de aceitar o que ela alegremente, mais exausta que
alegre, me dizia sobre a beleza da vida. Eu com meus cinco anos só pensava se
havia preocupação naqueles olhos, conformismo ou se simplesmente ela entendia
que a morte faz parte do ciclo da vida e que o importante é viver, se sentir
viva. O papagaio de gesso que ganhei dessa
senhora não tenho mais. Guardo suas palavras calmas e a imagem de um sorriso e de
sua camisola rosa bordada. Mas
ao contrário de sua esposa, meu tio nada disse. Nesse domingo ele já não
conseguia mais falar. E se meu tio falou alguma coisa eu não ouvi. Eu não
estava lá.
Por N motivos minha família esteve
abalada nesses últimos meses. Tentei consolar, tentei conversar, tentei
ajudar... Hoje eu apenas tento parar de chorar.
Alinne Louise
Obs: O velhinho do texto faleceu nessa madrugada. Sentirei saudades.